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A menina que amava um rato

Atualizado: 10 de mai. de 2022



Em junho de 1987, toda a família estava reunida trabalhando na segunda “limpa” da roça de milho e feijão. De repente, um rato saiu às pressas de uma moita de jacarandá. - "É uma catita", falou meu pai, eu nem olhei direito e ele acertou a enxada no bichinho que morreu ali mesmo; sem nenhuma defesa. Meu coração sangrou, não conseguia aceitar, e com o rosto banhado de lágrimas, suor e poeira da terra, eu questionei: - o que fizera o pobre animal para ser morto de forma tão violenta? Meu pai respondeu: - "Deixa de besteira, isso não é animal, é peste e se eu deixasse vivo iria comer o milho e o feijão de nossa roça". Não me convenceu, eu apenas pensava em silêncio, a roça é nossa, mas a terra e as matas também são deles.

Remexi a moita com o propósito de entender o que a catita fazia ali, enxerguei um buraco e nele haviam dois ratinhos, um já estava morto, certamente pelas pancadas da enxada na moita, mas o outro, estava vivo. Pronto. Engoli o choro. Com as mãos sujas de terra eu enxuguei o rosto e assumi o compromisso: é minha obrigação cuidar do filhote sem mãe.

Discretamente, coloquei o ratinho minúsculo e indefeso no bolso do blusão que me protegia do sol e sem que ninguém percebesse eu levei-o para casa. Em parceria com minhas bonecas arrumamos o quartinho, o berço e todo o enxoval. Também fizemos um batizado fantasioso e demos o nome de Carlinhos.

Cinco dias e cinco noites se passaram. O “bebê” dormia durante o dia e a noite ele chorava com fome e sentindo falta da mãe. Eu dava leite e colocava no meu colo, mas aquela situação começou a chamar a atenção de toda a família. Meu pai reclamava: - "gato preguiçoso, a casa tá cheia de ratos". Em silêncio eu ficava angustiada ensaiando como contar para a família que eu havia me tornado a mãe de um ratinho.

A minha rotina mudou completamente, embora eu estivesse de férias da escola, podendo brincar, passear, eu sabia que não podia me afastar de Carlinhos, pois havia o perigo do gato e de toda a minha família. O bichinho crescia forte e já estava com os olhinhos abertos, aos poucos, demonstrava astúcia para sair do berço e até da casinha de bonecas.

No sexto dia de maternidade, as amigas me convidaram para um "banho de rio". Que tentação. Eu estava cansada e estressada da vida de mãe independente. Decidi ir, mas antes, alimentei o Carlinhos e coloquei-o para dormir. Era pouco tempo, pensei comigo.

Naquela tarde, não consegui me divertir como antes, meu coração de criança estava apertado com medo que algo pudesse acontecer com Carlinhos. Voltei às pressas e quando cheguei em casa o pior havia acontecido. O pequeno Carlinhos havia sido morto pelos meus irmãos, que com bravura contavam que tinham encontrado um ninho de rato em cima da parede e que os ratos não iriam mais incomodar a família durante a noite. Não tive forças para desmenti-los.

Minhas pernas pequenas e tortas adormeceram, um aperto no peito e um entalo na garganta me consumiram a alma. Cai no chão chorando e aos prantos eu gritei: - os ratos não merecem ser amados?


Raimunda Alves Melo

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