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Eu preciso da minha mala

Atualizado: 10 de ago. de 2022

Eu era uma menina, meu pai comprou para mim uma mala pequena que tinha cobertura de um material sintético que se assemelhava a uma pele de teiú (teju); um lagarto pintadinho de preto e branco, comum aqui no Piauí. Na verdade, o presente foi adquirido para minha irmã, mas de cara ela dispensou, achou o objeto estranho e muito feio e por isso resolveu dispensá-lo.


O objetivo da mala era dispor de um local para guardar os pertences básicos. Naquele tempo, para ter acesso à educação escolar precisávamos passar uma temporada do ano morando com outras famílias, razão pela qual o objeto era de muita utilidade.


Eu também não gostei muito do presente, mas sempre busquei olhar as situações por um lado positivo. Dispor de uma malinha exclusiva para guardar as minhas roupas começou a transparecer como uma coisa muito boa e positiva.


Diante de diversas circunstâncias impostas pela vida, arrumar a mala tornou-se para mim uma terapia. Se algo me chateava ou me entristecia eu corria para o quarto e começava a arrumar a mala, juntava as roupas, os pertences, ensaiava despedidas, discursos, chorava e todo aquele processo aliviava as tristezas e as frustrações da minha alma.


Nos dias de alegria e entusiasmo, eu também me motivava e corria para arrumar a mala. Achava que para avançar seria necessário organizar a vida, as ideias e um bom começo seria iniciar pela arrumação da minha malinha de couro de teiú.


Ela era uma malinha pequena, frágil, singela e compacta. Na verdade, eu me sentia muito parecida com ela e talvez por isso, por muitos e muitos anos tê-la comigo foi muito importante. Dividi com ela momentos de angústias, de alegrias, fiz planos, contei meus segredos. Toda a minha vida simples e humilde cabia nela.


Hoje eu tenho guarda-roupa, mas eu senti falta da minha mala. De arrumá-la, de molhar as roupas com minhas lágrimas, de organizar a vida, as ideias, de trancar nela as minhas aflições e os problemas que não consigo resolver.



Olho para o passado, desarrumo as lembranças e na bagunça do presente e incertezas do futuro eu me olho e digo: eu preciso da minha mala.


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