Na minha infância, o Natal iniciava-se no mês de setembro quando minha mãe nos acordava as 4:00 horas da manhã e nos levava para catar cajus e castanhas na Tapera, uma propriedade rural abandonada que situava-se nas proximidades da fazenda Faveira, onde meu pai trabalhava como vaqueiro.
Na madrugada escura, semiacordados, com os cabelos afarofados e os olhos remelados; às vezes com os pés descalços, atravessámos o lamaçal de caparrosa com água fria batendo nas canelas. Era preciso que fôssemos rápidos e estratégicos, pois Dona Chiquinha e seus filhos também exploravam as beneficies daquele cajueiral abandonado.
Enquanto a mamãe derrubava os cajus, nós ciscávamos as folhagens dos cajueiros e cantávamos as castanhas. Voltávamos para casa somente por volta das 9:00 horas da manhã, quando ela preparava para nós a merenda e depois dessas tarefas íamos brincar.
Em algumas madrugadas éramos bem sucedidos, em outras, de longe avistávamos o menino Peitico, filho de Dona Chiquinha e já ficávamos cientes de que naquele dia pouco iríamos contribuir para a culminância do Natal.
Quando ficávamos desanimados e entristecidos, minha mãe falava: - “a vida é assim, dias de vitórias e dias de atropelos, só não podemos é desistir. O que fazemos hoje define o dia de amanhã”. Quanta sabedoria, como eu agradeço a Deus por tê-la como progenitora e educadora.
Apesar das dificuldades, havia muito interesse e entusiasmo, pois todo aquele esforço era parte essencial do Natal, que se iniciava no mês de setembro quanto engodávamos os bacurins com os cajus e catávamos as castanhas, ações necessárias para comprar uma roupa nova para cada um de nós e também levar um pouquinho de dinheiro para tomar um sorvete, comer um algodão doce, comprar um brinquedo simples, assistir a novena e fazer um registro fotográfico.
Nunca vivemos a ilusão do Papai Noel, meus pais sempre deixaram muito claro que na vida, pra colher é necessário plantar, que Papai Noel e contos de fadas são ilusões, que toda "princesa ou príncipe humilde” precisam mesmo é estudar, arrumar um bom emprego e ter autonomia na vida. E foi assim que desde cedo aprendemos a entender a vida como ela é de fato.
Sem ilusões de Papai Noel e sem as frescuras da atualidade, sempre tivemos clareza de que tudo era fruto do esforço coletivo da família, razão pela qual era preciso valorizar, respeitar e agradecer. Era tudo simples, mas regado com muita alegria, fé e esperança, coisas típicas do Natal.
Hoje, eu me apego a essas lembranças, pois acredito que lembrar é reviver e entre uma lágrima e outra eu sinto uma enorme saudade daquele tempo, dos cheiros, sabores e sensações de um tempo em que o Natal se iniciava no mês de setembro e era permeado pelos valores que dão sentido a nossa existência.
Natal é uma comemoração cristã para relembrar o nascimento de Jesus Cristo. Esperança e tempo de renovação fazem parte do espírito natalino, não só para os cristãos, mas para muita gente, um desejo de fechamento e início de ciclos.
É isso que desejo para todos e todas: fé, esperança e renovação espiritual.
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