Quando eu era criança transitei por muitos caminhos, cujos cenários ainda encontram-se guardados em minha memória e me causam enorme saudade. Lembro do caminho que percorríamos entre a fazenda de gado onde meu pai era vaqueiro e a propriedade rural onde residiam meus avós e onde tínhamos uma casinha, humilde e singela, um porto seguro à espera do nosso retorno.
Por esse caminho de veredas fechadas e sombreadas pelas copas das árvores havia um riacho e uma nascente de água doce e pura, o lugar denominava-se Fervedor, pois do fundo do olho d’água, entre os cristais de areia branca e prateada borbulhava a água límpida e fresca que brotava do subsolo.
Era lá onde fazíamos uma pequena parada para nos refrescar do calor e saciar a sede, situações típicas do semiárido piauiense. Naquelas ocasiões, eu olhava a água limpa do riacho e meus olhos enxergavam bem no fundo, entre as pedras esverdeadas pelo lodo, pequenos filhotes de peixes, que repousavam a espera do crescimento para que pudessem lançar nados mais profundos nas águas escuras e profundas de um açude situado naquelas proximidades.
Eu e meus irmãos fazíamos todo o percurso do caminho em grande euforia e entusiasmo. Corríamos na frente dos nossos pais para que pudéssemos aproveitar e explorar melhor cada aspecto que a natureza nos oferecia. Na verdade é como dizia Goethe, “A natureza é o único livro que oferece um conteúdo valioso em todas as suas folhas”.
Nesse mesmo caminho, principalmente em períodos de inverno era possível saborear as diversas delícias ofertadas pela natureza através dos frutos silvestres, entre eles: muricis vermelhos, maria pretinha, pirunga, jatobá, pitomba de leite. Em outras oportunidades escavávamos a terra em busca de batatas de anoê, que de tão doces, macias e aguadas nos alimentavam e ajudavam a saciar a sede.
Lembro que por aquele caminho também passávamos por belíssimas formações rochosas situadas nas proximidades da Comunidade Rural Mororó. Em tempos de inverno, a água da chuva ficava represada nos lajeiros de rochas sedimentares esbranquiçadas e cristalinas, formando piscinas de água azulada e morna devido ao calor do sol e das pedras. Brincávamos de localizar esses pequenos açudes e piscinas, tomávamos conta de todo o território, nomeávamos cada maravilha e tomávamos posse, ainda que provisoriamente, daquele lugar maravilhoso e mágico.
Nesses momentos de extrema felicidade e inocência infantil molhávamos os pés nas águas, brincávamos de fazer chover jogando água para cima e aterrorizávamos os girinos que moravam naqueles habitats provisórios. Meus olhos brilhavam observando aquelas pequenas espécies, pareciam a letra “a” em forma minúscula e eu ficava imaginando como seria todo o processo de transformação até que se transformassem em enormes e feioso sapos, cujo coaxar ecoava nas lagoas daquelas redondezas.
Aquele cenário reunia a beleza das formações rochosas, das pequenas piscinas produzidas pelas águas das chuvas, das espécies que ali habitavam, principalmente as lagartixas que nos olhavam de forma assustadora, sinalizando com a cabeça e na sequência fugiam desesperadamente para as locas das pedras. Nunca entendi a razão pela qual balançavam a cabeça como se confirmassem alguma coisa ou se aquilo era apenas uma estratégia para despistar a nossa atenção.
A paisagem também se completava em beleza pelas várias espécies de árvores, entre elas os mandacarus, cujas flores brancas, cheirosas e lindíssimas, assim como os frutos doces chamavam a atenção dos passarinhos, das abelhas e marimbondos e ajudavam a embelezar aquele lugar maravilhoso, com o qual eu sonho até hoje.
Eu olhava as flores dos mandacarus, ouvia o canto dos pássaros e o zumbido das abelhas, e tinha certeza que tudo aquilo era música celestial, coisa divina e de tal beleza, com capacidade elevada de encantar a alma e provocar intensos momentos de felicidade plena. Também sentia o cheiro das outras flores, principalmente as amarelas que brotavam dos ipê e caneleiros, e toda a beleza daquele lugar maravilhoso estimulava a minha imaginação. Eu podia ser fada, princesa, camponesa, pesquisadora e muitas outras coisas através do faz de conta que permeava a minha fértil imaginação.
Esse caminho também nos fazia refletir e sentir medo todas as vezes que lembrávamos das histórias narradas pelos nossos pais e avós, entre elas, aquelas que falavam sobre antigos moradores que habitavam naquelas proximidades, sobre as possíveis botijas de ouro enterradas próximo as porteiras dos currais, ou mesmo sobre as experiências sobrenaturais vivenciadas por parentes e amigos. Nessas horas, reduzíamos o ritmo da caminhada para que pudéssemos contar com a presença carinhosa e segura dos nossos progenitores. Eles sempre atuaram como guias supremos, atenciosos e carinhosos ao longo de toda a nossa caminhada, nos diferentes caminhos de nossas trajetórias.
Hoje, eu sinto muita saudade desses caminhos, das árvores de faveira carregadas de bolotas vermelhas, muito mais bonitas do que as árvores de natal que utilizamos na atualidade. Sinto falta do sabor inesquecível dos cajuís, das ameixas amarelas e azedas que saboreávamos ao longo de todo o trajeto daquela caminhada, algumas vezes acompanhada por minha mãe, meu pai e meus irmãos, outras vezes apenas na companhia de um deles e sempre pela minha fértil imaginação, pela presença dos personagens imaginários que eu criava para nunca me sentir sozinha.
Sinto falta da água deliciosa da nascente borbulhante, de molhar os pés no riacho e nas piscinas de águas azuladas, sinto saudade do cheiro das flores, das folhas e da natureza como um todo. Imersa nessa saudade e nas lembranças me questiono se toda aquela maravilha ainda encontra-se lá, se terei a oportunidade de rever esses lugares e sentir essas emoções ou se terei que me conformar apenas com as minhas lembranças e sonhos.
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