Outro dia li um lindo texto intitulado "Quando a casa dos avós se fecha"; cuja autoria é desconhecida. A linda narrativa tratava de forma saudosista e reflexiva sobre as marcas e saudades que a casa dos avós deixa em nossas vidas, sobretudo pelas experiências vividas na infância e juventude.
Encantada com o enredo narrativo, realizei um passeio pela minha infância adolescência e refleti sobre o quanto esses espaços e as vivências nos mesmos nos marcam profundamente, causando um misto de saudade, alegria e uma melancolia que parece nos falar: devia ter aproveitado mais.
Motivada por esses sentimentos, escrevo esse texto com o objetivo de suscitar saudades sobre um dos lugares mais marcantes na infância e adolescência: o quintal do avô.
Primeiramente, é necessário esclarecer que o quintal do avô é um lugar mágico e de muitas utilidades. É espaço de alimentação, peripécias, brincadeiras e muitas aventuras. Algo indescritível e que só sabe aqueles que tiveram a oportunidade de experimentar os diferentes sabores e aventuras desse espaço encantador.
Manoel de Barros, diz que o quintal onde a gente brincou é o maior lugar do mundo e a gente só descobre isso depois de grande, quando percebe que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as elas. "Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade".
Um dos sabores mais marcantes da infância é o de comer fruta em cima do pé, não importa se é de caju, manga, goiaba, seriguela ou outra. Fruta no pé é mais saborosa, é doce como mel. É sensacional dividir com os passarinhos as copas das árvores e os frutos que brotam delas.
Quanto mais zeloso e exigente é o dono do quintal, mais bonito, encantador e possíveis de aventuras ele é. Quem nunca se escondeu na copa de uma árvore após uma travessura não sabe o que é adrenalina infantil de verdade. Não existe esconderijo melhor para aqueles que, estrategicamente esperam a raiva de alguém passar para voltar para casa com um patuar cheio de frutas e a cara deslavada de quem estava trabalhando para ajudar a família.
Papaim; forma carinhosa como chamávamos o nosso avô era assim: zeloso, exigente e impertinente, principalmente quando o assunto era cuidar do quintal. Adubava as plantas, colocava escoras em suas galhas, recolhia as folhas secas, regava as árvores mais sensíveis durante o verão. O seu quintal era impecável e até o vento pedia licença para passar por ali.
Os netos e bisnetos podiam comer frutas à vontade, mas antes era necessário pedir permissão. Não era permitido bater nas árvores com pedras, paus, derrubar folhas, frutos verdes ou qualquer outra coisa que não fosse honrosa de saborear os frutos ofertados pela natureza. E aqueles que ousassem descumprir com essas regras estavam sujeitos as consequências de suas atitudes insensatas.
Ainda o vejo em meus pensamentos. Um idoso, um pouco curvado, caprichoso, estressado e demonstrava isso batendo com as mãos nas orelhas e se queijando da falta de modos das atuais gerações. Usava alguns bordões para aconselhar os netos e bisnetos: "Criatura, tome rumo de gente, me respeite, pois se você não tem vergonha, eu tenho".
Minha vida não seria a mesma sem os seus ensinamentos, e eu fazia de tudo para estar à altura de suas exigências. Depois de um: "bença Papaim”, posso pegar umas frutas no quintal"? Ele me passava os olhos e dizia: pode sim, vou ajudá-la a tirar. Ele seguia na frente com uma vara de bambu e fazíamos a colheita das frutas maduras, vermelhas, amarelas, esverdeadas; cheirosas e deliciosas que só vendo.
Por muito tempo foi assim. Até que um dia, lá no céu precisaram de um agricultor zeloso e dedicado para cuidar do pomar celestial e ele foi convidado. Posso imaginar a trabalheira que tem sido educar os anjos da geração atual e manter o quintal organizado e frutífero, como o criador projetou o paraíso.
Hoje, o pomar do Papaim já não existe mais. Parte das árvores envelheceram e morreram. A casa caiu, o mato cobriu as fruteiras que sobreviveram. O que restou encontra-se na memória de cada um dos netos e bisnetos: as lembranças das aventuras e o doce sabor das frutas do quintal do avô.
Raimunda Alves Melo
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