Passamos parte da infância em uma fazenda de gado onde nosso pai trabalhava como vaqueiro. A nossa rotina de criança camponesa incluía momentos de brincadeiras
e o acompanhamento da família em algumas atividades da fazenda, entre elas tirar leite das vacas e aproveitar o momento para beber leite mungido no curral.
Longe dos olhares do papai e da mamãe não perdíamos a oportunidade de fazer travessuras, como por exemplo irritar as vacas que tinham bezerros recém-nascidos e que demonstravam valentia em proteger as suas crias.
As traquinagens envolviam berrar como o bezerro, fazer caretas, mungangas, imitar cachorros. Nessas ocasiões, as vacas que estavam presas no curral ficavam enlouquecidas e nós acompanhávamos toda a euforia de cima da cerca; às gargalhadas.
Uma das vacas mais valentes da fazenda se chamava Carrapeta. Meu pai deu esse nome a ela por ser pequenina, compacta e muito furiosa, principalmente quando se
tratava de proteger o seu bezerrinho. Diante de qualquer ameaça, ela rodopiava em
torno do filhote fazendo giros, parecendo uma carrapeta e por isso recebeu esse nome.
Certo dia, depois de um banho na nascente de água doce situada nas proximidades da fazenda, minha mãe pediu que voltássemos para casa porque ainda havia muita roupa para ser lavada. Foi quando minha irmã mais velha de apenas 6 anos de idade seguiu caminho segurando o braço do caçula, que tinha apenas 3 anos. Logo atrás eu e meu outro irmão, ambos com 5 anos de idade.
Na metade do caminho avistamos a Carrapeta. Não houve tempo para retornar e pedir proteção para a nossa progenitora. A vaca veio em nossa direção enlouquecida de raiva, certamente por todas as peraltices que havíamos feito para ela.
E como diz minha avó: "Deus escreve certo por linhas tortas" e pela sabedoria divina a Carrapeta era uma vaca pequena e não possuía chifres. Sorte nossa, caso
contrário o pior podia ter acontecido naquele dia.
Não houve tempo para pensar, mas sabiamente permanecemos divididos em duplas e mais uma vez, pela graça divina, Carrapeta decidiu que os castigados da vez
seriam eu e meu companheiro de caminho.
No instante que aquela vaca valente direcionou a sua atenção para nós, minha irmã juntamente com o caçulinha passou por baixo de uma cerca de arrame, onde puderam se proteger do animal raivoso e acompanhar aquela cena de horrores mas sem
nada poder fazer.
Estávamos ali, eu e meu irmão de aventuras para prestarmos conta com Carrapeta. Nessas horas o nosso coração palpita indubitavelmente num TOC - TOC que parece que vai pular pela boca. A cada batida parece nos passar a lição de casa: quem planta, colhe; a vida é uma roda gigante; devemos ouvir pai e mãe...
Carrapeta nos encontrou no canto da cerca do curral no mesmo lugar onde por tantas vezes tiramos o seu sossego de mãe protetora. Ela nos sojigou com sua cabeça descontroladamente; pressionando-nos contra a cerca e nesse momento babava de tanto ódio, ciscava a terra com as patas jogando poeira em nossos rostos. A malvada não economizou na surra.
Em certos momentos de nossas vidas quando as carrapetas nos cobram a conta não temos muitas escolhas. Temos que decidir entre apanhar, chorar, lamentar e comer
poeira ou levantar, reagir e gritar: chega! E foi isso que meu pequeno irmão fez.
Depois de muitos abusos de Carrapeta, ele se levantou, pegou um pedaço de madeira que havia no chão e apontando para ela disse: para! Nós já aprendemos a
lição.
Nessa hora, ela se assustou e olhou profundamente em nossos olhos, como quem diz: sim, concordo, já terminei. E saiu rebolando o traseiro de um lado para o outro.
Mesmo sendo mais velha alguns meses, foi ele quem pegou na minha mão, me ajudou a levantar e juntos fomos para casa. Babados, machucados e tristes com a surra
que tomamos de Carrapeta.
Naquele dia muito mais que a dor da violência cometida por aquele animal algo doía mais em nossas almas e nossos pequenos corações: a certeza de que na vida colhemos o que plantamos, razão pela qual as sementes precisam ser de bondade, amor, solidariedade, respeito, entre outras.
Mas além dessa aprendizagem, aquele episódio nos fez aprender que em algum momento de nossa existência as carrapetas da vida vão nos judiar. Nessas horas não
teremos muitas opções. Então, precisamos levantar, sacudir a poeira e reagir, assim
como fez o meu irmão.
Lute como uma criança camponesa. Enfrente as carrapetas da vida e seja muito feliz.
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