Jatobá em tupi significa fruto de casca dura. A árvore de fruto comestível é encontrada em quase todas as regiões brasileiras. A sua polpa é um pó amarelado, de cheiro forte e muito adocicado. Rico em ferro é indicado como estimulante e fortificante, um excelente alimento que auxilia no combate a anemia.
Na atualidade, esta arvore é considerada um patrimônio sagrado do Brasil. Alguns povos indígenas acreditam no seu poder místico e costumam servir jatobá antes de suas rodas de meditação, porque confiam que o fruto trás equilíbrio aos pensamentos, desejos e anseios.
O período de 1979 a 1983 foi caracterizado por uma perversa estiagem que provocou a fome e a morte de milhares de nordestinos, principalmente de crianças. Aqueles foram anos de flagelos causados pela falta de chuvas que levaram o Nordeste a índices críticos de pobreza e miséria. O jatobá, árvore resistente a estiagem contribuiu muito para diminuir a fome dos sertanejos, assim como a macambira e outros frutos silvestres da região.
Naquelas circunstâncias, meu pai, trabalhador rural pobre, pai de quatro crianças pequenas, a mais velha com apenas seis anos de idade decidiu que a melhor forma de garantir a sobrevivência da família seria assumindo a função de vaqueiro em uma fazenda de gado.
Na fazenda havia muitos pés de jatobá, distribuídos em um campo limpo de areia branca que parecia ser feita de cristais prateados, situava-se nas proximidades da casa, fato que possibilitava a realização de várias brincadeiras, uma gostosura indescritível, cujas lembranças me causam enorme saudade.
Apesar da escassez de alimentos e da disponibilidade de jatobás, nossa mãe recomendava que não podíamos comer aqueles frutos, pois a massa doce, cheirosa e muito forte costumava fazer “bolos” no estômago e matar as pessoas. Narrava inclusive sobre a morte de um conhecido, franzino e amarelo que morrera doendo a barriga após ingerir os frutos do jatobá. Na cultura camponesa é assim, para cada ensinamento há sempre uma narrativa para explicitar a razão pela qual é necessário respeitar a sabedoria das pessoas mais experientes.
Dotados do extinto de sobrevivência, ou seja, comportamento praticado de forma automática e movido por uma força interna; e também orientados pela irmã mais velha, todas as vezes que nossa mãe saia de casa para lavar roupa na fonte de água corríamos para o pomar dos jatobás e derrubávamos os frutos com rebolos de madeira. Aquele era o momento mais gostoso do dia, olhar a copa das árvores frondosas, repletas de folhagem verde prateada, carregadas de jatobás da cor marrom, prontos para serem derrubados por uma mira infantil infalível.
Na sequência, trazíamos os frutos para casa, quebrávamos as cascas e retirávamos a massa amarela âmbar, colocávamos tudo em uma bacia e misturávamos com açúcar e leite de vaca. Aquela era uma espécie de vitamina improvisada, produzida por quatro crianças pequenas e espertas, que apesar do receio de que o alimento pudesse causar algum dano à saúde estavam muito mais preocupadas em saciar a fome com um alimento produzido a partir do próprio esforço, coisa rara nos dias atuais.
Antes que minha mãe chegasse tínhamos a preocupação de limpar tudo e apagar todas as pistas daquela peraltice. Pudesse ela saber das riquezas nutricionais do jatobá, cujos atributos já eram valorizados pelos primeiros habitantes do Brasil e que poderia ajudar a suprir as carências nutricionais das crianças, principalmente no período de estiagem.
Forte como jatobá é a luta do povo nordestino pela sobrevivência, especialmente em tempos de estiagem prologada, que mata as plantas, os animais, as pessoas, racha o solo e mina a esperança do povo sertanejo. Apesar disso, continuam firmes e com fé em dias de chuva, em dias melhores.
Forte como jatobá são os homens que como meu pai abdicam dos próprios sonhos para garantir a sobrevivência dos filhos, retirando do suor do rosto as condição necessárias para a sobrevivência da família.
Forte como jatobá são as mulheres que como minha mãe dedicam a vida inteira em cuidar da família, sempre atenciosas, preocupadas, dedicadas e amorosas.
Forte como jatobá são as crianças nordestinas, que transformam a busca pela sobrevivência numa brincadeira constante, que se arriscam em experimentar os sabores dos jatobás da vida, que não temem os "bolos no estomago", que transformam dificuldades em uma deliciosas vitamina de esperança e sabedoria.
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