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Em algumas situações a melhor estratégia é parar e silenciar

Uma das maiores tristezas da vida de uma criança e viver longe de sua família. Só conhece verdadeiramente a saudade aquele que por algum momento na vida passou por esta situação.


Viver distante da minha família foi um dos desafios que tive que enfrentar na infância para ter o direito de estudar. Eu acredito que aquela era uma saudade recíproca, pois nenhuma mãe ou pai deseja viver distante de seus filhos, muito menos os meus que são sinônimo de amor e reciprocidade.


A saudade passou a ser um problema pra mim a partir dos cinco anos de idade, quando a minha família decidiu que eu deveria morar com meus avós maternos para poder ir para a escola. Meu avô Antônio Soares dizia: "vai estudar e se tornar uma professora". Realizei seu sonho, meu inesquecível vovô.


Com o propósito de dar início ao meu processo de escolarização o meu avô veio me buscar. Naquela época meus pais residiam na Fazenda Faveira, situada em área rural de Castelo do Piauí e meus avós moravam na cidade de São Miguel do Tapuio.


Meu avô chegou em um sábado e sua presença foi motivo de muita alegria, mas à medida que a tarde chegava o meu coração apertava e aquilo que a princípio me parecia uma grande novidade, morar na cidade, aos poucos foi se tornando uma coisa pavorosa, pois não conseguia imaginar a vida longe da minha família.


Vovô decidiu que iríamos viajar no ônibus de horário noturno; a Empresa Furtado tinha uma linha que passava na PI 115 por volta das 19:30 horas. A Fazenda ficava a poucos metros da pista, onde todos costumavam aguardar os ônibus para viajar.


Com muita tristeza abracei os meus pais e os cheirei bastante, pois queria levar no meu coração aquele cheiro gostoso de amor paterno e materno que apenas os filhos amorosos sentem e valorizam. Depois de uma despedida emocionante fomos para o ponto aguardar o ônibus.


Estava muito escuro, eu sentia medo e uma profunda tristeza. Não conseguia entender a razão pela qual era necessário passar por toda aquela frustração. Meu vô olhou pra mim e informou que ia tirar uma soneca. Quem lembra dele sabe que era do tipo boêmio, adorava os prazeres terrenos, valorizava uma mesa farta de comida gostosa, boa bebida e uma boa noite de sono. Depois de um dia de fartura ele sentiu sono e resolveu descansar.


Foi justamente naquele contexto que algo passou pela minha cabeça, pensei comigo: vou ficar quieta e em silêncio para que ele durma profundamente e não o avisarei sobre a chegada do ônibus, assim terei mais tempo para planejar uma segunda estratégia para não ir embora morar longe de minha família, e assim eu fiz.


Noite escura, arejada pela brisa fresca do campo, eu conseguia enxergar apenas os vaga-lumes e ouvir os grilos e outros insetos que faziam barulho na mata. Eu sentia medo, frio e angústia, mas murmurava em silêncio: às vezes, a melhor estratégia é parar e silenciar.

Enquanto meu avô roncava escancaradamente eu enxerguei os faróis do ônibus apontando no horizonte. Quietinha e com muita determinação eu continuei firme no plano: parar, silenciar e ganhar tempo para planejar.


Em pouquíssimos minutos o ônibus passou em velocidade máxima sem que houvesse tempo para que o meu avô sinalizasse para que aquele transporte parasse. Ele me questionou sobre a tarefa que havia me dado, mais uma vez eu silenciei.


De volta para casa um abraço materno, um leitinho doce e morno, uma redinha macia para dormir perto da mamãe e do papai. Antes de deitar agradeci a Deus e planejei a estratégia do dia seguinte: não levantarei da rede, não me alimentarei durante todo o dia, demonstrarei tristeza, fraqueza, desilusão. E assim fiz.


Por volta das 10:00 horas da manhã, minha mãe comunicou ao meu avô que não podia deixar que eu viajasse doente. Era preciso primeiro ficar boa. A viagem foi cancelada, meu avô foi embora sozinho e meu coração se alegrou novamente.


Por muitas vezes lancei mão dessas estratégias e isso resultou em três anos de atraso escolar. De tudo isso aprendi três lições: (1) está perto de quem amamos é uma oportunidade indescritível, razão pela qual tudo que fizermos com esse propósito será louvável, por isso não me arrependo do que fiz; (2) Não existe atraso escolar, depois que crescemos, amadurecemos e entendemos o valor da educação escolar em nossas vidas, então, buscamos superar as nossas dificuldades e alcançamos outros patamares do saber; (3) Algumas vezes a melhor estratégia é parar, refletir, silenciar e aguardar o ônibus ou a tempestade passar, assim ganhamos tempo para sobreviver e vencer as batalhas que a vida nos impõe.


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