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A VIDA É COMO UM CAVALO DESEMBESTADO

Atualizado: 30 de abr. de 2022

Projeto: Me conta um conto que eu conto

Narrado por Desterro Barros


As reflexões que tratam sobre a vida em suas diferentes dimensões tematizam poemas e canções de tal forma que nos mostram o quanto este é um tema inspirador. Quem nunca sambou ao som da música de Gonzaguinha, que diz:


Viver e não ter a vergonha

De ser feliz

Cantar, e cantar, e cantar

A beleza de ser um eterno aprendiz

Ah, meu Deus!

Eu sei, eu sei

Que a vida devia ser bem melhor

E será!

Mas isso não impede

Que eu repita

É bonita, é bonita

E é bonita


Esta canção diz muito para nós, nos mostrando a importância de viver a vida intensamente, com alegria, determinação e coragem, valorizando o que ela nos oferece de melhor. Dialoga diretamente com um pensamento do Chaplin que diz: "a vida é maravilhosa se não se tem medo dela".


Ao pensar sobre isso lembrei um fato de minha infância e cheguei à conclusão de que a vida é como um cavalo desembestado que você precisa segurar forte no cabresto e ter firmeza nas pernas para não cair e se machucar.


Passei uma parte da minha infância morando em uma fazenda de gado onde o meu pai era vaqueiro. Nas proximidades da casa havia um lago de águas turvas e brilhantes que passavam por cima da pista da PI 115. Era uma espécie de açude improvisado, formado pelas águas das chuvas, resultante de rigorosos invernos que ocorreram no início da década de 80.


Aquele lago era uma maravilha, foi lá onde bebi muita água suja aprendendo a nadar, quando ia tomar banho, brincar na água ou ajudar a mamãe a lavar os cavalos no final da tarde.


Eu passava o dia inteiro ansiosa pela chegada daquele momento mágico e maravilhoso, um dos mais alegres do dia, pois além de brincar nas águas frias e calmas do lago eu também tinha a oportunidade de andar de cavalos, e quem é filho de vaqueiro sabe bem o que isso significa.


Diariamente, minha mãe me ajudava a montar no cavalo Alazão, ele era um animal velho, cansado e muito sereno, razão pela qual não oferecia perigo. Aquele ritual era necessário, pois eu era muito pequena e não conseguia montar sozinha. Na sequência, ela seguia na frente puxando o Alazão pelo cabresto. Com o passar do tempo comecei a insistir com ela, dizendo que eu mesma teria condições de montar sozinha e conduzir o animal com autonomia.


Minha mãe sempre nos incentivou a lançar voos mais altos, a nos arriscar e não temer os desafios da vida. Quando lembro de seus ensinamentos me lembro de uma felina ensinando os filhotes a caçarem. Primeiro, ela leva para eles os animais totalmente abatidos e os ensina a comer. Com o passar do tempo, ela leva os bichos semimortos e ensina os filhos pequenos a matarem a presa. Após a graduação dos desafios, cada vez maiores, ela finalmente os leva para a floresta e os desafia a caçarem com independência.


Pois bem, de tanto insistir em montar e conduzir sozinha o Alazão, certo dia, minha mãe decidiu atender ao meu pedido e me deixou seguir com independência, segurando o cabresto do cavalo. Ocorre que aquele animal já tinham o hábito de, depois do banho, retornar para casa em grande disparada, pois era assim que os rapazes que trabalham na fazenda costumavam fazer todos os dias.


Depois do banho no lago, montei no bicho, segurei o cabresto e bati com minhas pequenas pernas finas em sua barriga, demonstrando que ele podia seguir o caminho de volta para casa, nesse momento, o cavalo disparou em grande corrida, lado a lado com uma cerca de arame farpado e de estacas pontiagudas que perfaziam todo o caminho.


Nesse dia, mais do que em qualquer outro cheguei à conclusão de que a vida é realmente um cavalo disparado que para conduzi-lo você precisa segurar com força no cabresto e grudar bem as pernas para não cair, mas se por um acaso cair, é necessário levantar, sacudir a poeira, subir novamente e tocar a caminhada, digo a cavalgada.


Lembro que o vento batia forte no meu rosto e fazia voar os meus cabelos, finos e lisos; forte eram as batidas do meu pequeno coração corajoso e assustado, eufórico para que o percurso fosse concluído logo e tudo terminasse bem. Na verdade é como diz Guimarães Rosa: “Viver é um negócio perigoso, porque aprender a viver é que é o viver mesmo, mas é a da vida”.


Quando o cavalo cruzou a linha de chegada, na frente do curral onde ficavam as cocheiras, a freada foi tão brusca que eu desci pela cabeça do Alazão e cai com os joelhos no chão, coisa leve diante de tudo que havia vivenciado a pouco tempo.


Levantei rapidamente, limpei as pernas e sequei as lágrimas que caíram do rosto, olhei para o caminho e vi minha mãe aflita, correndo para se certificar de que eu estava bem.


Freud dizia que "somos feitos de carne, mas temos de viver como se fôssemos de ferro", eu creio que sim, sobretudo nós que pertencemos a classe trabalhadora, que lutamos todos os dias pela sobrevivência e pela construção de um mundo melhor pra nós e para as futuras gerações.



Como resultado dessa e de outras experiências, concluo citando Fernando Pessoa, que diz: " tudo vale a pena quando a alma não é pequena". Somos resultado de todas as vivências, experiências e oportunidades que tivemos. Se hoje conduzo o meu cavalo com autonomia e responsabilidade é porque aprendi a fazer isso desde muito cedo.



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