top of page
Buscar
Foto do escritorraimundinhamelo

A CULTURA DA CRIANÇA COMO ELEMENTO DE INTEGRAÇÃO ENTRE A EDUCAÇÃO INFANTIL E O ENSINO FUNDAMENTAL


Raimunda Alves Melo[1]

Nos últimos anos ampliou-se bastante o número de crianças atendidas em instituições de Educação Infantil e Ensino Fundamental, aumentando o desafio de atendê-las em espaços educativos cujas práticas respeitem os percursos de vida, a cultura, a heterogeneidade, as singularidades e o direito a uma aprendizagem integral e integrada. Tal questão amplia a necessidade de discutirmos como essas duas etapas da educação básica articulam suas práticas educativas no sentido de compreender as especificidades das experiências dos diversos sujeitos sociais envolvidos nesse processo.

No Piauí, este processo de transição tem sido caracterizado, predominantemente, pela subordinação da Educação Infantil em relação ao Ensino Fundamental, situação em que a primeira assume como papel principal a responsabilidade de preparação das crianças para um melhor desempenho no segundo. Em alguns casos, tem-se percebido a adoção de práticas da Educação Infantil no Ensino Fundamental, adaptando a escola e esta etapa da educação e descaracterizando os processos educativos.

Diferentemente do que se observa, o que se propõe é a integração entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental por meio de um encontro pedagógico em que as práticas educativas e as concepções de ambas sejam integradas, respeitadas a partir do reconhecimento de suas singularidades e diferentes histórias, tendo a valorização da cultura da criança como elemento integrador.

Na Educação Infantil são atendidas crianças com faixa etária de 0 a 5 anos e no Ensino Fundamental (anos iniciais) estudam as de 6 a 10 anos de idade, assim, ambas as etapas atendem pessoas que ainda estão vivendo a infância. Dessa forma, o principal ponto de integração entre as mesmas é a cultura da criança, caracterizada por sua natureza lúdica, formada no mútuo reflexo das produções culturais dos adultos para ela e das produções culturais geradas pela criança nas suas interações de pares (COHN, 2005). Nessas relações/interações sociais, elas elaboram um jeito próprio de ver o mundo e, atendê-las numa perspectiva de respeito e valorização cultural, implica reconhecê-las como crianças e não apenas como estudantes.

Trata-se de uma questão desafiadora tendo em vista o atual cenário educacional pois, se por um lado as práticas educativas desenvolvidas na Educação Infantil ainda deixam a desejar em relação à valorização da cultura da criança, por outro, no Ensino Fundamental a situação é ainda pior - crianças na faixa etária de 6 a 10 anos de idade são expostas a longas jornadas de aulas expositivas em que apenas escutam e copiam, não tendo acesso à aprendizagem lúdica que valorize a brincadeira, a música, os jogos, a literatura. Geralmente, a estrutura física do prédio e os mobiliários também não são adequados a esta faixa etária.

A integração entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental deve ocorrer por meio de propostas educativas permeadas por uma dimensão cultural de valorização da arte, da vida, da brincadeira e do conhecimento, não apenas como processos de escolarização e aprendizagem de conteúdos, que muitas vezes não dialogam com as vivências, experiências das crianças, mas sim por propostas que considerem as singularidades das ações infantis e o direito à brincadeira, à produção cultural, oportunizando que sejam atendidas em suas necessidades (de brincar e de aprender). (KRAMER, 2007).

Assegurar essa integração requer diálogo entre essas duas etapas da educação básica, seja em âmbito institucional (Secretarias de Educação e Instituições Educativas), seja em âmbito pedagógico (nas escolas e entre profissionais), principalmente nas dimensões que envolvem os projetos políticos pedagógicos.

Em âmbito institucional, é necessário agir na identificação dos principais entraves relacionados ao atendimento, assegurando processos formativos para professores, reorganizando o currículo e melhorando a estrutura física e pedagógica dos espaços de atendimento. Em âmbito pedagógico, é necessária uma escuta ativa das vozes das crianças, geralmente silenciadas nas salas de aula, englobando a intervenção e amorosidade pedagógica, seja por meio do planejamento de atividades e práticas pedagógicas acolhedoras e inclusivas que favoreçam a aprendizagem, seja por meio da redefinição de posturas, da reorganização do ambiente, da seleção de materiais com vistas a apoiá-las nessa etapa da escolarização.

Outro quesito de fundamental importância para assegurar a integração entre Educação Infantil e Ensino Fundamental é a organização de rotinas que tenham como centro a cultura da criança, que favoreçam a organização do tempo e espaços estruturados em torno de atividade e que sejam do interesse das crianças. Nessa perspectiva, o brincar é um dos elementos principais, devendo ser parte integrante das práticas educativas dessas duas etapas da educação básica.

As ações de integração entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental implicam também repensar a ambiência dos espaços físicos e educativos e as relações que se estabelecem nesses ambientes. Estes devem ser espaços que oportunizem às crianças expor suas produções, comunicar seus valores, brincar, se divertir, acessar brinquedos, jogos e outros materiais educativos.

Também é importante que os processos educativos considerem as possibilidades de uso de outros espaços: pátios, brinquedotecas, praças, bibliotecas, refeitórios, entre outros. A estrutura das instituições precisam considerar as necessidades físicas e educativas das crianças, como: banheiros adaptados, carteiras apropriadas para sua faixa etária, locais para brincadeiras e práticas esportivas, disponibilização de cantinhos de aprendizagem e, sobretudo, que os educadores estejam dispostos a acolhê-las e respeitá-las como crianças, como sujeitos de direito.

O fato é que a falta de diálogo presente na organização dos sistemas educacionais tem sido marcada por desencontros entre as propostas de Educação Infantil e Ensino Fundamental. A mudança desse cenário implica respeito e valorização da cultura da criança, apontada como um ponto de referência, pois é caracterizada por sua natureza lúdica, formada no mútuo reflexo das produções culturais dos adultos para as crianças e das produções culturais geradas pelas crianças nas suas interações de pares. Nessas relações/interações sociais elas elaboram um jeito próprio de ver o mundo que deve ser considerado pelos processos educativos.


REFERÊNCIAS


COHN, C. Antropologia da criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.


KRAMER, S. Infância e sua singularidade. In: BRASIL; Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão de crianças de seis anos de idade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2

1Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal do Piauí. E-mail: raimundinhamelo@yahoo.com.br.

149 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

A menina que amava um rato

Em junho de 1987, toda a família estava reunida trabalhando na segunda “limpa” da roça de milho e feijão. De repente, um rato saiu às...

Comments


bottom of page